Conflito, violência, trauma e patrimónios difíceis em Moçambique
Um itinerário visual por espaços divergentes da memória social
Apresentação
Sobre conflito, violência, património
A forma como as sociedades recordam, memorializam e patrimonializam passados de conflito e violência diz-nos muito sobre a forma como constroem a justiça social e a democracia na contemporaneidade. Como recordar o trauma do conflito, da guerra, da catástrofe? Como é que se pode preservar ou conservar algo que evoca memórias de trauma e dor, sentidos de injustiça? Até que ponto é que a patrimonialização de passados violentos não pode gerar novos conflitos? Num ano em que se celebra o Dia Internacional dos Museus dedicado às “catástrofes e conflitos à luz da Carta de Veneza” propomos uma reflexão a partir de lugares e arquiteturas de “patrimonialização difícil” em Moçambique.
O caso de Moçambique
Após uma história colonial de violência marcada pela dominação militar, pela exploração do seu povo e das suas paisagens, Moçambique conheceu finalmente a independência em 1975. Infelizmente, isto não significou o fim da guerra e do conflito. Após uma guerra civil de 16 anos entre a Frelimo e a Renamo, Moçambique foi conhecendo outras histórias de conflito, desde os desastres humanitários ligados a eventos climáticos à insurgência em Cabo Delgado e à violência da expropriação relacionada com a indústria extrativa. Que tipo de memória é possível num contexto de sobreposição de conflitos e desastres?
A visita virtual
A visita é um itinerário virtual em torno de espaços e lugares reconhecidos como de patrimonialização ”difícil” em Moçambique, navegando a sua história e problemática.
Construída em 1934, a Vila Algarve foi erguida pelo comerciante e editor fotográfico da então Lourenço Marques, José Santos Rufino. Na década de 1940 foi vendida ao Estado português, que decidiu fazer da Vila a sede da então recém-criada PIDE. Em 1950 sofreu obras de ampliação, sendo-lhe adicionado um segundo piso. Serviu então como lugar de detenção, interrogatório e tortura.
Por este edifício passaram muitos nacionalistas moçambicanos, na maioria membros da Frelimo. Entre os detidos mais famosos contam-se o pintor Malangatana (1936-2011) e o poeta José Craveirinha (1922-2003).
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© Houses of Maputo (link)
Após a independência de Moçambique, a Vila Algarve entrou num processo de degradação que continuou até aos dias de hoje. Durante muito tempo foi ocupado por pessoas sem abrigo e toxicodependentes, até ver o seu acesso vedado por muros de tijolo e cimento.
Isto não significa que não tenha sido objeto de planos diversos de recuperação. Em 2008, a Ordem dos Advogados moçambicana anunciou planos para o restauro e transformação do edifício na sua própria sede. Em 2011, é anunciado que a Vila Algarve acolherá o futuro Museu da Luta de Libertação. Entretanto, o edifício está catalogado para classificação de Património Nacional pela Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane. No entanto, nenhum dos projetos passou do papel.
Entretanto, o edifício continua a alimentar rumores sobre o porquê do seu abandono, e a inspirar artistas nos seus trabalhos.
© Amilton Neves Cuna (link)
Aspetos do interior da Vila.
Fotografias de Amilton Neves Cuna, 2019.
Após os primeiros ataques do Estado Islâmico ou Al-Shabab em 2017, o governo moçambicano respondeu através da criação de uma força conjunta internacional
Estima-se que desde o início da guerra se tenham acumulado quase 1.3 milhões de deslocados nas províncias de Cabo Delgado e Nampula. Aldeias como esta na zona de Metuge passaram a fazer parte da paisagem local.
© Ruy Llera Blanes, 2021
Excerto de reportagem exibida na RTP 1 em Abril de 1973, sob o título “Cadeia da D.G.S. em Lourenço Marques, que nos oferece uma visão geral da Cadeia da Machava e da vida dos presos nos seus pátios.
© RTP Arquivos, 1973
A Cadeia da Machava continua a funcionar até hoje, já com a designação de Cadeia Central de Maputo. Não foi até hoje objeto de qualquer abordagem memorial ou patrimonializante, desconhecendo-se os vestígios materiais da época colonial e pós-independência no seu interior.
© Flickr
Cemitério Memorial de Pemba
Na cidade de Pemba em Cabo Delgado, anexo ao cemitério civil, existe um memorial às vítimas da I Guerra Mundial muito pouco conhecido do grande público. Representa um episódio da história global - a “Campanha da África Oriental” - que envolveu as costas do norte de Moçambique nos combates entre as forças alemãs e as aliadas.
© Ruy Llera Blanes, 2024
© Ruy Llera Blanes, 2024
Ficha Técnica
MOTIVAção
Iniciativa realizada no âmbito do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, 2024: Catástrofes e Conflitos à Luz da Carta de Veneza.
COnceção, Pesquisa, Curadoria e montagem
Ruy Llera Blanes (ISCTE-IUL, CRIA, In2Past)
Projeto em curso
Outros estudos de caso serão acrescentados num futuro próximo. Última atualização a 30 de Abril de 2024.
© 2024